terça-feira, 8 de setembro de 2009

SUPERMERCADO DE ÓRGÃOS

Sobre minha afirmação “Viver até os sessenta anos é o suficiente”, perguntam-me: “E agora, que faltam três anos, você não se arrepende de sua afirmação?” Não. Se tivesse eu a certeza de poder continuar impondo ao meu corpo o castigo a que ele é submetido na busca incessante do prazer sem limite, talvez eu repensasse. Quem sabe talvez a criogenização? Voltaria após cinquenta anos e compraria uns três fígados e uns dois estômagos de vez. A propósito, transcrevo uma crônica de Mário de Moraes, publicada na revista O Cruzeiro, em 1.8.1964.

NA BASE DO ANO 2000

Passo por um cinema e o nome do filme, que fala em mercado de corações, lembra-me um outro que vi há muito tempo, e que, com este, tenho a certeza, não tem nenhuma relação.

Mais de vinte anos são passados, desde a sua exibição. Mostrava, creio, o século vinte e um. Época em que o pobre vivente, padecente de muitos males, poderia trocar, a seu bel-prazer, as partes gastas e enferrujadas do seu humano organismo. Lembro-me de um sujeito americano alto e avermelhado, que ia à procura de excelente coração, que o seu já estava pifado. E da velhota que buscava um fígado novo em folha, para substituir o antigo, gasto pelo uso, procurando, entre vários, o mais adequado ao seu tipo.

Leio os jornais e revistas deste presente sessenta quatro. E neles encontro muita realidade que não está longe daquela ficção. No Japão trocam o rim doente de um enfermo por igual órgão sei lá de que animal. Num país, colocam outro braço num acidentado.

Solto as rédeas da imaginação e vejo um supermercado, onde não faltam desde os melhores dedões do pé a bem refinados cérebros. E imagino algumas cenas. A pobre e desiludida mocinha, que recém levara um fora do namorado, sentindo destroçado o coração, junto ao balcão correspondente:

“A senhorita não teria, por aí, um coração para moça de dezenove anos? Daqueles que não estão sujeitos a paixonites?”

Vejo Mané Garrincha, meio encabulado, escondendo-se dos fãs, a procurar, numa pilha, um novo e sem problemas joelho direito. E a manchete, no dia seguinte, nas páginas esportivas:

“Garricha estreou joelho novo.”

Certos cronistas, de imaginação desgastada, a procurar afobados:

“Não terá aí um cérebro bem moderno, daqueles cheios de idéias? Mas, por favor, eu tenho pressa! Preciso usá-lo ainda hoje, quando for escrever o meu artigo.”

Chego a ver Leônidas, de molejo novo, a pedir vaga no selecionado brasileiro, afirmando convicto:

“E agora, Feola, o que o Vavá tem que eu não tenho?”

E seriam naturais diálogos como este:

“Você viu como subiu o preço do estômago? E a vesícula? Anda pela hora da morte.

E olha, já não se fazem narizes como os de antigamente. A inflação, por certo, influiria no preço dos artigos.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário